4 Mai 20 | José Manuel Constantino - Presidente do Comité Olímpico de Portugal

Liderar

Houve uma fase da minha vida em que, todos os anos, rumava a Madrid para participar nas conferências mundiais que se realizavam sobre liderança. Escutei os maiores gurus mundiais. Ouvi gente paga a peso de ouro para fazer este tipo de conferências. Estive com pessoas que só conhecia dos livros. Alguns prémios Nobel. Admirei o brilho intelectual e capacidade oratória de muitos. Mas regressava sempre com a ideia de que o sucesso deles era configurável aos casos que tiveram de enfrentar. Que mudando a situação/organização nada garantia que o sucesso estivesse presente. No fundo, confirmando o que a vida ensina: que muitos líderes com sucesso numa organização falham em outras. E dessas experiências falhadas não se fala (va).Passado este tempo muito desses líderes jazem com as empresas que lideraram e não resistiram à bolha especulativa dos anos 90 que contaminou toda a economia global. O subprime, a dívida soberana e o capitalismo especulativo deitaram por terra as suas fantasias retóricas

Não sei se aprenderam. Os seminários e as conferências por esse mundo fora continuam cheios de casos de sucesso. A literatura dá exemplos de como alcançar o êxito. Mas está na generalidade ausente sobre o modo de enfrentar e lidar com o insucesso e o fracasso. Existe uma espécie de pudor e de medo de enfrentar uma realidade das organizações que é o de falharem os objetivos. Ainda que, num meio competitivo como é aquele em que operam as organizações a probabilidade de insucesso ser bem maior que a do êxito. É óbvio que nada nos move quanto à descrição de experiências de sucesso. E não nos passa pela cabeça que essas experiências não contenham matérias que constituam motivos de aprendizagem. Mas, e o fracasso? Quem fala dele? Não existe? Não é motivo de aprendizagem?

Uma tendência muito em voga nos últimos anos tem sido o de convidar agentes desportivos-treinadores e atletas com sucesso nas respetivas carreiras profissionais – para fazerem palestras aos quadros das empresas sobre processos de mobilização motivacional baseadas no modelo de intervenção no treino e preparação desportivas. Olho sempre para este tipo de importações com muitas reservas. Porque uma equipa desportiva não é uma empresa. Mas também por outras razões.

Em primeiro lugar, porque os conhecimentos acerca das variáveis de contexto não são transferíveis. O que dá certo numa organização, não é sucesso garantido numa outra. Depois porque não há uma melhor maneira de liderar: tudo depende da situação. Em terceiro lugar, porque não é possível replicar numa sala ou num auditório as práticas de liderança. Em quarto, porque a liderança tendo muito de conhecimento e de saber, tem sobretudo bastante de experiência e de talento. E, finalmente, porque os insucessos dessas pessoas, que os têm, raramente são expostos e analisados.

Na minha vida profissional as melhores aprendizagens de liderança foram em exercício de funções. Em que assumia a condição de liderado. Profissionais de desporto que foram marcantes no modo como lideravam os projetos em que participei. E com estilos diferentes, modos distintos de comportamento e até dimensões ideológicas diversas. Mas todos com uma enorme capacidade de organização e mobilização de recursos e de pessoas. E com projetos em que tiveram sucesso e outros em que fracassaram.

Num tempo em que a liderança (…e de algum modo a gestão) virou negócio, é bom que se tenha presente que o líder é como um grande cozinheiro para cuja qualidade as palavras não são suficientes e nenhuma teoria explica. (Andrew Sullivan). E que pode escrever o melhor livro do mundo com as receitas, os ingredientes, as quantidades dos produtos, os tempos de preparação que, seguramente, qualquer tentativa de o imitar ficará muito aquém daquilo que ele consegue.

Num tempo em que há quem venda a ideia que há uma melhor maneira para liderar é sensato interrogarmo-nos sobre a bondade dessa afirmação. E convivermos com uma outra, porventura mais singela: a de que aprendizagem se faz com o sucesso e com o erro. E que não é possível banir este último da vida das organizações. As sociedades não se constroem sem riscos e um deles é a possibilidade de falhar e a impossibilidade de suprimir os erros. Liderar é também saber conviver com eles.