24 Mai 20 | Luís Galego - Mestre em Sociologia // Quadro Superior do Estado

No escurinho do teatro

Em dias de coronavírus e em estado de emergência ou calamidade, o teatro encontra-se uma vez mais ameaçado, os grupos temem um longo e difícil caminho e aos intérpretes é-lhes atribuída a função de prestidigitadores. Com os espetáculos suspensos as Companhias sentem-se na corda bamba e as que conseguem disponibilizam peças online e arriscam alternativas estéticas. O Teatro acontece ao vivo. A grande virtualidade do teatro é podermos respirar ao mesmo tempo e no mesmo espaço que os atores. Mais do que o cinema ou a literatura o teatro impõe a presença de seres humanos diante de outros seres humanos. Os registos digitais não são teatro. São um carinho dos atores, encenadores, produtores, gentes do palco aos espectadores confinados. Talvez porque não nos queiram privados das possibilidades de uma experiência profundamente comovente que o teatro pode oferecer. O encenador cubano Carlos Celdrán escreveu que o teatro é um “país em si mesmo, um grande território onde cabe o mundo inteiro” e que é lá que ele existe, onde está o público, e onde tem os companheiros de quem precisa. “O meu país teatral, o meu e dos meus atores, é um país tecido por estes momentos em que deixamos para trás as máscaras, o medo de ser quem somos, e damos as mãos no escuro”. Mas a magia dificilmente acontece se não existir um mínimo de estabilidade. E por muito estranho que pareça os mestres do teatro também pagam água, eletricidade, gás e comem vejam bem e até têm o despautério de ir ao dentista e de acarretarem com as propinas dos filhos. Num contexto de milhares de profissionais das artes com recibos verdes e em que escasseiam medidas que os protejam e os tratem condignamente o não trabalhar tem um impacto brutal nas suas vidas financeiras e nos nossos sonhos.

 

Embora as cortinas estejam fechadas quero [tenho que] acreditar que amanhã é outro dia e o papel do teatro enquanto precursor da mudança social tem de continuar. O teatro já desmaiou imensas vezes, mas teve a capacidade de estar presente até nos períodos mais terríficos, sujeito a censura ou a perseguições, a funcionar em prédios degradados e ensaiando possíveis maneiras de vencer. Podem dizer que o mesmo acontece com muitos outros ofícios. Pois é, mas da estabilidade de quem nos faz emocionar raramente se fala. Na qualidade de anónimo, mas entusiasta, faz-me falta a arte de ver e ouvir histórias no escurinho do teatro.