3 Jul 20 | Dália Faria - Formadora na área comportamental

Nós nos outros

Eu sou porque outros são. Outros, pai e mãe, me geraram e deram vida. Outros me alimentaram, alimentam. Abrigaram e abrigam. Ensinaram e ensinam. Cuidaram e cuidam. Mimaram e mimam. Um dia, se entenderem, outros me acompanharão à última morada e ficarão com as minhas coisas. Que são os outros que não o nosso Farol do Monte de momentos, memórias, instantes de vida?

Em plena pandemia Covid 19 acresce a demanda de perceber o papel de aglutinador social que o outro tem no manter a energia cinética de um país que se quer em movimento, porque o dinheiro é um instrumento de troca que alimenta a lei da oferta e da procura, mas que estrangula se se esvaziar, desacreditar, desvirtuar, ou impossibilitar a vertente da poupança. Ora, se considerarmos que, a Organização Mundial de Saúde define saúde como o completo bem-estar físico, psíquico e social, aproveito para, humildemente, sugerir que se acrescente o emocional, porque segundo o Professor António Damásio somos 95% emoção e 5% razão.

Doentes andamos, porque com a nossa saúde física a prémio, a propósito de um vírus carecemos, em grande medida de saúde psicológica, social, por estarmos elencados numa saúde emocional frágil, castrada, esfarrapada, ao ser secundarizada, ridicularizada, esquecida, reprimida, devastada, roubada, desconhecida,… e engolida genericamente por chavões, modas, tendência que são usurpadas por influenciadores, muitas vezes, pouco ou nada conhecedores da matéria, com saber prático, ou seja, competência questionável e mestria quase ridícula e patética. Desculpem, mas penso honestamente que se vulgarizam coisas muito sérias e estruturantes de uma sociedade e alicerçantes da individualidade de cada ser. Para se ser competente no que quer que seja, requer tempo, dedicação, prática, errar, falar, voltar a tentar da mesma forma, de forma diferente até se conhecer a essência, dominar o processo de realização e ter o comportamento e atitude que garanta a mestria da proficiência, daqueles que alcançaram o mais difícil, fazer simples e parecer fácil ao que insere em si uma complexidade que, patetas como eu, às vezes pensam, também sou capaz de fazer isso. Oh, como não podia estar mais longe da realidade.

O que tem isto a ver com nós nos outos? Muito, ou tudo. Num tempo binário, veloz, fogaz, instantâneo, requer coragem darmo-nos aos outros, implica entrar em contacto e expor as nossas imperfeições, medos, fragilidades,… humanidades de todos nós. Em simultâneo, para mim, significa dar tudo e viver com tudo, assumir as nossas especificidades e apresenta-las assim genuinamente, tornando-se quase desconcertante. Quando em 2016, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, fez um estudo mundial em que perguntou a pessoas em fase terminal o que mais pena tinham de não ter feito na vida, 93% respondeu: “Não ter tido a coragem de ser eu mesma.”

Se alguma coisa aprendi na vida, reforçado com o Covid 19, é que não há amar demais, viver demais, sonhar demais,… Demais como? Porque depois a realidade pode ficar distante da espectativa que tínhamos da mesma? E depois? As melhores coisas da vida aconteceram quando fomos lá e fizemos, vivemos. Ora querem ver como fazemos nascer a nossa música nos outros, ainda que perante os cenários mais arriscados? Todos os profissionais de saúde, lojistas, voluntários, camionistas,… e tantos outros que, em pleno Estado de Emergência, convivendo paredes meias com a morte, medo dela, amor à família, a si mesmo, à vida, disseram presente e continuam a dizer, despejando e esquecendo-se de si, em prol do outro que, tantas vez, nem sabe quem é, mas que dá sentido à sua existência enquanto ser humano.

Acredito que as oportunidades surgem e se constroem, quando somos agentes ativos na conquista de respostas, porque a mudança acontece e a história é reescrita quando há a coragem de avançar com emoção e ganas de vencer, cientes das dificuldades, obstáculos, desgaste, tristeza, encontro com profetas da desgraça, mas focados no caminho sem esquecer: “Somos os mestres do nosso destino. Somos os capitães das nossas almas.” – William Ernest Henley.