8 Jun 20 | João Rodrigues - Velejador Olímpico madeirense

O dia dos Oceanos

Hoje celebra-se o Dia Mundial dos Oceanos. Este ano, era aliás para ser um ano extremamente relevante a nível nacional, com várias iniciativas internacionais programadas para acontecerem em Portugal. Mas, como se sabe, o mundo sofreu uma enorme reviravolta.

Deste período, houve várias ilações a reter. Por um lado, a natureza, no espaço de pouco mais de dois meses, deu sinais de uma capacidade de regeneração que não sabíamos ser possível. Por outro lado, milhões de pessoas confinadas em casa, eventualmente aperceberam-se, de uma forma particularmente assertiva, que o contacto com a natureza, mar incluído, contribuía decisivamente para o seu bem estar físico e emocional. E desta forma, quiçá, também compreenderam que a natureza e o homem não são duas realidades distintas. São parte integrante de um todo e influenciam-se mutuamente, para o bem e para o mal.

Pessoalmente, os dois meses de confinamento em casa, trouxeram à tona de água, uma série de emoções que só antes, o desporto ao mais alto nível tinha conseguido provocar. É que apesar de considerar que a minha carreira desportiva, ao longo de mais de três décadas, foi recheada de momentos de alegria, a outra face da moeda também se manifestou, quiçá para que um certo equilíbrio fosse estabelecido. Assim, emoções tão fortes como a ira, raiva mesmo, desolação, tristeza, ansiedade, até uma certa incompreensão pelo sentido das coisas, sucederam-se ao longo do tempo e fui aprendendo a lidar com as mesmas. No limite, uma certa equanimidade instalou-se na minha mente, lidando de forma muito semelhante com as alegrias e tristezas do desporto.

Mas se estaria perfeitamente treinado para lidar com estas emoções no contexto desportivo, já naquela que foi a realidade recente, revelei uma enorme dificuldade em manter uma certa estabilidade emocional, que se agravava à medida que a notícia de que as actividades náuticas voltavam a ser permitidas, tardava em chegar. Foi então que fui percebendo de que forma o oceano desempenhava um papel tão importante na minha vida. E não era só pelo prazer de velejar.

Durante muito tempo, procurei formas de melhor auto conhecer-me. Até que descobri o yoga, ainda no final dos anos noventa, e mais tarde, a meditação. E foi através desta última técnica que mergulhei fundo em mim mesmo, trazendo à luz do dia, as mais recônditas das emoções. Foi assim que aprendi a amar o mar e a aceitar o que ele me trazia dia a dia. Fosse num dia de calmaria ou numa tempestade, com mar liso ou ondas grandes, aprendi a respeitá-lo, a adorá-lo, mas também acabei por conhecer os meus limites, as minhas fraquezas, mas também todo o meu potencial.

Depois toda essa vida terminou na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016. E paulatinamente ingressei na vida, dita civil. E com isso, não tive capacidade de manter rituais que me davam estabilidade emocional. Simultaneamente, as emoções da alta competição foram substituídas por outras, mas de menor intensidade. Entreguei-me de corpo e alma a outros desafios, com o intuito de manter uma vida plena de significado. E embora fosse ao mar tanto quanto possível, tinha alguma dificuldade em viver plenamente aqueles momentos. Mas depois veio a pandemia.

Quando regressei ao mar, seis semanas depois, algo havia mudado na minha relação com o oceano. Agora, quando entro no mar, consigo de tal forma abstrair-me de tudo, que dou por mim a sentir-me perfeitamente integrado naquele ambiente, absorvendo toda a informação que me chega através dos sentidos, mas ao mesmo tempo, plenamente consciente do meu corpo, da minha mente, da minha respiração. Na verdade, concluí, é um pouco como quando praticava meditação regularmente. Aquela introspeção, que me levou a ganhar a tal equanimidade relativamente às emoções do dia, volta a ocorrer, só que agora, não sentado num tapete, mas a velejar em mar aberto.

Talvez o oceano tenha esta incrível capacidade de nos levar aos limites, ao mesmo tempo que nos dá a possibilidade de nos conhecermos a nós mesmos. Aos nossos medos e fraquezas. E no entanto, qual sábio, dá-nos sempre a oportunidade de nos transcendermos. Saibamos nós ler os sinais que nos manda…