27 Abr 20 | Pedro Mota Soares - Ex. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social / Advogado

Preparar um Programa de Emergência Social

São estranhos os tempos que nos são dados viver.

Há 2 meses identificávamos como maiores riscos para a economia no ano de 2020: o Brexit e a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China; o aumento do preço do petróleo e o abrandamento económico na China e na Europa; a fraca capacidade dos Bancos Centrais para poderem intervir na economia e a elevada dívida dos países.

Hoje tudo isto nos parece pertencer a um tempo muito distante – o que só dá razão a quem diz que fazer previsões económicas a mais de 6 meses é um atrevimento.

Já não falamos em crescimento ou desaceleração económica; falamos de recessão.

É difícil estimar a dimensão desta recessão e os seus efeitos no emprego. Um estudo da Universidade Católica aponta para uma quebra entre 4% e 20% do PIB e uma taxa de desemprego entre 8.5% e 13.5%. Mesmo no melhor cenário estamos a falar de uma recessão igual ou pior do que a que tivemos no pior ano do ajustamento nos tempos da troika.

Com uma crise económica (e desta vez a crise é económica e não financeira) desta dimensão, certo é que os efeitos sociais serão devastadores.

Quanto mais cedo o reconhecermos, mais cedo podemos começar a tomar medidas para os minorar.

Apoiar as empresas garantindo-lhes liquidez é essencial. Apoiar o emprego para proteger as pessoas e ter uma economia com capacidade de produzir e resgatar o tempo que nos está a ser retirado é essencial.

Acredito na resiliência dos nossos empresários, na qualidade dos nossos recursos humanos, na capacidade de empreender e de ultrapassar dificuldades que temos em Portugal. Não será a primeira vez que enfrentamos tempos de tormenta e dificuldade.

Mas também sei que não basta acreditar. Vai ser preciso saber ouvir os agentes económicos, vai ser preciso apoiar as empresas, vai ser preciso ir muito longe para garantir liquidez a quem mantém a economia a funcionar e as condições para o fazer- é essencial ir longe agora para resgatar o tempo que nos está a ser retirado.

As autoridades europeias e as autoridades nacionais têm que estar dispostas a ir até onde nunca foram, porque na verdade nunca tivemos uma situação como esta numa economia com este grau de globalização.

Mas se hoje se fala bastante das medidas que estão a ser tomadas (uma certas, outras insuficientes e outras ainda ausentes), é tempo de começar a preparar as medidas para garantir a situação de emergência social com que vamos ser confrontados.

Urge preparar um Programa de Emergência Social para minorar o impacto social da crise, que possa constituir uma “almofada social” para amortecer dificuldades que aí vêm para muitas famílias.

Um programa que identifique as situações sociais mais urgentes e que assente na protecção e promoção de direitos dos que são os mais excluídos dos excluídos da sociedade portuguesa, mas também daqueles que podem ser colocados numa situação nova de fragilidade e que exija uma resposta excepcional.

Um programa com medidas para as famílias confrontadas com os novos fenómenos de pobreza, fruto do desemprego e do sobre-endividamento, muito especialmente às famílias com filhos que serão as mais directamente atingidas; um programa com medidas para proteger e apoiar os mais idosos, com rendimentos muito degradados e gastos em saúde muito elevados; um programa com medidas para socorrer as pessoas com deficiência, sempre atingidas de forma mais severa numa crise.

Conscientes de que teremos de atender a estas necessidades quando respostas e equipamentos no sector social, da saúde e da educação ainda estarão a procurar novo rumo. E no caso da saúde e do terceiro sector ainda estarão a tentar reerguer-se.

O Programa de Emergência Social só será eficaz se assentar em medidas e projectos simples. Sem estruturas burocráticas, mas antes apoiado em quem sabe e quem já está no terreno, com recursos disponíveis para quem deles precisa.

Para que seja simples e eficaz é essencial que o Estado não o faça por si só, mas que utilize a rede nacional de solidariedade de que Portugal dispõe. Que reconheça a proximidade e a experiência das autarquias locais e que tenha a humildade de contratualizar com as instituições sociais que, em permanência, garantem já hoje uma resposta social.

O Programa de Emergência Social tem que convocar o melhor que o Estado social tem, as Autarquias, as instituições sociais – IPSS, Misericórdias, Mutualidades –, os empregadores e sindicatos, as empresas, as organizações não-governamentais, os voluntários. É preciso contar com quem já está no terreno e é preciso incentivar quem, muitas vezes com sacrifício pessoal, dá o melhor de si para ajudar os outros.

É preciso mobilizar todos.

Se estamos em estado de emergência, se a crise é económica, a urgência é a de ter um programa que faça a protecção social a quem mais precisa.

 

(Texto originalmente publicado no Jornal Expresso – março de 2020)