29 Set 25 | Cecília Carmo

O futebol português e as suas desigualdades

Em Portugal, o futebol é muito mais do que um desporto. É quase uma religião, um ritual coletivo que ocupa cafés, salas de estar e até os corredores do trabalho. Mas por trás do entusiasmo e da paixão, esconde-se uma realidade desconfortável: a desigualdade profunda que atravessa o nosso campeonato.

Não é preciso ser especialista para perceber o fosso que separa os grandes clubes dos restantes. De um lado, orçamentos milionários, contratações de renome e estádios sempre iluminados; do outro, clubes que sobrevivem a contar tostões, a viver de empréstimos e a rezar para que os salários cheguem a tempo e horas. Quando a diferença é tão grande fora de campo, como esperar equilíbrio dentro das quatro linhas? E mesmo assim muito fazem os chamados mais pequenos quando a vontade de fazer boa figura perante um grande se sobrepõe à qualidade individual e da equipa e às condições de trabalho.

Ano após ano, os resultados são os mesmos: os grandes lá na frente, a disputar títulos e milhões, e os pequenos, quase condenados, a lutar apenas pela sobrevivência. Fala-se em “milagres” quando um clube modesto consegue roubar pontos a um gigante — mas não devia ser assim. O milagre devia ser a exceção, não a única centelha de emoção num campeonato previsível.

E depois há o protagonismo exagerado que o futebol ocupa no nosso espaço mediático. Liga-se a televisão, abre-se um jornal, percorre-se um site de notícias: lá está o futebol a dominar, mesmo quando não há nada de novo para dizer. Fala-se do que não existe, inventam-se cenários para ter, pelo menos, algo para dizer… Enquanto isso, modalidades com conquistas internacionais, como são os casos do Atletismo, da Canoagem, do Judo, do Andebol (para não referir muitas mais), são relegadas para notas de rodapé. É como se só existisse um desporto em Portugal, e todos os outros fossem meros convidados de ocasião.

Para agravar, reina a promiscuidade entre clubes e comunicação social. Publicam-se rumores como factos, alimentam-se guerras de bastidores e raramente há regras claras que definam até onde vai a informação e onde começa a manipulação. O resultado é um jornalismo que muitas vezes serve mais aos interesses dos poderosos do que ao direito do público a ser bem informado.

O futebol português vive assim: desigual, previsível e inflacionado na sua importância.

E nós, adeptos, continuamos a alimentar esta engrenagem, porque não conseguimos desligar-nos da paixão que nos move. Mas talvez seja tempo de parar para pensar. Queremos um campeonato de fachada, dominado por três ou quatro, ou um verdadeiro espetáculo competitivo, onde cada jogo possa ser uma surpresa?

A resposta não está apenas nos clubes ou nos jornalistas. Está também em nós, que consumimos, partilhamos e aplaudimos este futebol desigual. Talvez o primeiro passo seja exigir mais: mais justiça na distribuição de receitas, mais transparência na comunicação, mais respeito por quem luta todos os fins de semana sem as mesmas armas.

Porque o futebol, se for só para alguns, deixa de ser de todos.